Ator diz que Júlio de 'Insensato' é seu melhor papel na TV

A intimidade de Marcelo Valle com o texto de Gilberto Braga começa a se refletir em cena. Em sua terceira trama do autor e na pele do Júlio, de Insensato Coração, o ator de 43 anos disseca as particularidades mais divertidas de interpretar um típico pai de família de classe média. Com seu personagem recém demitido da empresa de Raul, vivido por Antônio Fagundes - ao se envolver em uma fraude encobrindo Léo, do vilão Gabriel Braga Nunes -, este ator carioca vibra com seu papel de maior destaque na TV e por ele ser casado com a quase cômica vilã Eunice, de Deborah Evelyn. "Ele vive num universo de fofoca, de mesquinhez. Quer se dar bem na vida. O interessante é arranhar o naturalismo e não ser um personagem chapado, mas com várias nuances", analisou.

Confira a entrevista:

Insensato Coração é a terceira novela do Gilberto Braga em que você participa, com o primeiro papel escrito especialmente para você. No que esse trabalho se difere dos demais na sua carreira?

Ele é meu melhor personagem na TV. Tem um universo gostoso de fazer, palatável, interessante. O Júlio tem um bom coração, mas é capaz de ter atitudes erradas, moralmente desconfiáveis. É um cara humano, que gosta das filhas, mas tira o cinto para bater quando sabe que uma perdeu a virgindade. Ou seja, é retrógrado, moralista, conservador. Isso me interessou nele, saber que não é chapado, mas cheio de nuances. Andar nesse fio da navalha me estimula como ator.

E que estímulos você teve nessa composição? Que referências buscou para essa figura com características tão cotidianas?

Minha inspiração veio da minha sensibilidade, da minha intuição. Li e reli cada cena com atenção. Li sobre o surgimento da classe média por volta do final de 1700, na Revolução Francesa. Como eram e como evoluíram os valores da classe média daquela época até hoje. Li também sobre as principais diferenças entre a classe média e os milionários porque o Júlio tem desejo de ascensão social. Ele fica de olho nos ricos (risos). Os milionários falam sobre ideias e valores e a classe média conversa mais sobre coisas e pessoas. Essas informações são até bobagens. Mas, em algum lugar, meu imaginário fica alimentado com esses parâmetros.

Você estreou na TV com a minissérie Incidente em Antares, em 1994. Mas, todas as novelas que atuou foram tramas das oito da Globo. Por quê?

Foi coincidência. Nunca fiz novela das seis porque não recebi convites. Entrei na TV pelas mãos do Gilberto Braga. Ele começou a ficar mais atento com o meu trabalho ainda em Celebridade, onde eu vivia o jornalista Guilherme. Como sou formado em Jornalismo, resolvi fazer um exercício como ator e escrevi uma matéria sobre a Maria Clara Diniz, personagem da protagonista Malu Mader. O Gilberto leu e começou a me olhar mais como ator e logo me chamou para a segunda novela, Paraíso Tropical. Foi criando um elo. Agora estou mais à vontade na TV.

Como assim?

Estou mais à vontade com o veículo, mas ainda me sinto inseguro na hora de entrar no estúdio. O início das novelas é o mais complicado, depois vou relaxando. A idade me trouxe a necessidade financeira de começar a me interessar por TV. Sou um ator de processos. Para um personagem meu ficar pronto no teatro, ensaio seis, oito meses. Agora a bagagem na carreira começa a ajudar. Meu foco tem sido apenas me concentrar na cena. No teatro, uso a técnica com mais desenvoltura, mais intimidade que na TV, mas ela está cada vez mais fazendo parte da minha vida.

Esta serenidade e a forma analítica de perceber sua profissão vem de sua prática como budista? De que forma sua religião interfere na sua profissão?

Estou cada vez menos workaholic. No momento, tenho muito trabalho, novela, peça. Não acho a situação ideal. Essa rotina cansa. Estou entendendo cada vez mais a importância de ter um respiro da vida. Sou budista e me tornei dirigente de um grupo de pessoas. Sou responsável pela fé delas e isso tem de ser muito estudado, focado. Faço reuniões semanais, estudos. É uma coisa que entrou com muita força na minha vida há cinco anos. Não é fácil. Principalmente com uma rotina puxada. A peça A História de Nós 2 está em cartaz há dois anos. Vamos em setembro para São Paulo e queremos transformá-la em filme. Mas procuro me cuidar, ficar atento com a saúde porque sou ex-gordo. Cheguei a quase ter obesidade mórbida na adolescência. Mas consegui mudar meu metabolismo, minha vida e busco sair mais com meus amigos, ver meu sobrinho crescer, ficar mais com minha família.